Conceptualização. Bacamarte joia.
Introdução
A presente reflexão decorre da Unidade Curricular Projeto Média Arte (PMAD), ministrada pelo Prof. Dr. Sr. Pedro Veiga que solicitou a conceptualização do objeto artístico a ser apresentado.
Aspecto histórico e conceitual
A criação artística de um bacamarte joia, uma arma ornamental, veio da somatória de elementos antagônicos apresentados pela manifestação cultural e artística dos bacamarteiros. Segundo relatos, o Bacamarte já era utilizado pelos moradores da região atual do nordeste brasileiro com fins de comunicação (um tiro representaria um código sonoro como forma de indicar algum acontecimento ao vizinho ou para emitir alerta) ou como defesa de animais perigosos ou malfeitores.
O conceito do bacamarte joia se assenta na nova função atual do bacamarte, transformado em união de duas narrativas: o herói e o bandido. A percepção dos dois arquétipos envolvidos na abordagem dos bacamarteiros foi compreendida durante a visita à sede do grupo dos Bacamarteiros de Mandacaru, localizados em Abreu e Lima.
A identificação dos arquétipos advém de um estudo anterior que já foi realizado pela pesquisadora durante a finalização da licenciatura em Comunicação Social com ênfase em Publicidade e Propaganda. A monografia apresentada intitulada: “Merchandising e os arquétipos: um estudo de caso sobre o filme Sex and The City”. O estudo teve como base o livro: O herói e o Fora-Da-Lei das autoras Mark e Pearson e os autores Jung com a obra Arquétipos e o Inconsciente Coletivo e Joseph Campbell (O Herói de Mil Faces).
Aspecto do herói
O império convocou homens civis para a defesa da região fronteiriça com o Paraguai, no que foi chamado popularmente de Guerra do Paraguai. O final da guerra trouxe o retorno daqueles soldados sobreviventes e o reencontro com suas famílias. Por isso, as comemorações foram iniciadas e em regiões de fazendas as pessoas agregaram danças, músicas com o bacamarte que foi convertido em um recurso de diversão, sem intenção de ameaça ou violência. O tiro, também chamado de pipoco, se transformou em apenas um elemento de recurso cênico para a diversão. A história também foi preservada e repetida como diversão em eventos do São João.
Assim, os bacamarteiros contam em dança e música, as histórias daqueles que retornaram da guerra como vivos e vitoriosos.
Aspecto do fora-da-lei
Com o passar dos anos, surgiu um bandido no Nordeste do Brasil que passou a amedrontar as pessoas com invasões às propriedades. O Lampião ficou famoso e reconhecido. Ele formou um grupo de bandidos que cercavam cidades inteiras. O grupo de Lampião andava fardado com soldados homens e mulheres. O grupo viajava de cidade em cidade, vivia em acampamentos ou esconderijos e foram identificados como cangaceiros. A esposa de Lampião, Maria Bonita, e as mulheres do grupo também possuíam armas e sabiam manejar, fato este dissonante da realidade feminina da época. O grupo de Lampião fazia festas e danças com armas e muita música. A vida de Lampião teve fim com a morte e ele foi decapitado junto com alguns soldados e expostos em praça pública. A história de Lampião não foi esquecida, pois até hoje há museus e inúmeras produções do audiovisual que fazem referência ao mesmo, à Maria Bonita e ao grupo dos cangaceiros. Apesar de serem bandidos, hoje há uma tendência de suavizar a narrativa do cangaço, inserindo-os em filmes e até comédias.
Os bacamarteiros
Os bacamarteiros incorporaram a história de Lampião através de alguns adereços do cangaço como o chapéu de couro dobrado característico e alguns elementos de couro. Enfim, somou-se a vitória do império na guerra do Paraguai e a história do Lampião fora-da-lei em uma só tradição: bacamarteiros.
Para Jung (2018) os arquétipos são formas imateriais as quais são preenchidas pelo inconsciente coletivo. Significa que permanecem em todas as culturas e em qualquer evento temporal. Ou seja, presentes no passado, presente e futuro, as narrativas que envolvem estes dois arquétipos do projeto, o herói e o fora-da-lei são temas que atravessam diversas culturas e artes. Inúmeras histórias são escritas e filmes construídos no caminho de provas do herói, a figura do bem e sua batalha contra o mal, o vilão ou o fora-da-lei.
Aspectos de intencionalidade
A intenção é a construção de um bacamarte joia, peça que traduza dois elementos em comum: a história do herói (soldado) e a do fora-da-lei (Lampião), entendendo a configuração arquetípica pormenorizada por Jung sobre os arquétipos e o inconsciente coletivo. Incorporando também aspecto mitológico mencionado Joseph Campbell e autoras Mark e Pearson.
O sentido de joia foi pensado porque as aparentes forças dissonantes do herói e do bandido fazem parte de uma estrutura comum nas histórias humanas, fábulas, contos, artes e experiências. Joia dual esta que contribui para a imaginação, criatividade e forma público e leitores das mais diferentes sociedades.
A construção com elementos de pedras e vidros é pensado como uma forma de trazer beleza para a peça e de provocar reações contrárias sobre a frieza de uma arma que se tornou o calor de festas em que o disparo é motivo para alegria e não de medo. Dessa forma, o símbolo de um herói e de um bandido são resumidos na construção do bacamarte joia.
A unificação de sentidos do bem e do mal, uma união improvável, é a referência entre o certo e o errado, o superior e o inferior, a sombra e a luz. Reacende também a dinâmica comum nas estruturas de construção de pensamentos que o bem de alguém também pode ser o mal de outra pessoa. Mas, ao final, todos estão na experiência humana da vida que é uma constante de mudanças e riscos. Chega-se a uma questão interessante:
-É possível manejar forças contrárias para o benefício coletivo?
Na capoeira, a luta é numa roda com música e apreciação de outras pessoas que participam com cantos e palmas. Aquele que acerta o golpe indica que o golpeado não estava atento ao ritmo do oponente ou não desenvolveu a malícia da ginga. O outro é sempre um teste para as nossas forças e capacidades de lidar com o bem e com o mal.
Sair de uma competição e da rivalidade para a entrada de uma sociedade plenamente voltada para a colaboração entre as nações não é uma tarefa fácil. Mas é possível se soubermos combinar o desenvolvimento de compartilhamentos positivos e enriquecedores para todas as várias partes. Os bacamarteiros evocam alguma dualidade unificada. Foram presos durante a democracia por dançarem com bacamarte ou por fabricarem as armas obsoletas que não usam tiro de verdade.
Quando o mundo finalmente respirar a luz das consciências, as armas serão apenas itens de danças e de festejos, sem nenhuma intenção de violência. Até lá, o ser humano precisa compreender o caminho colaborativo, afinal a Covid demonstrou que as fragilidades ultrapassam bandeiras e fronteiras.
Há a intenção de transformação de agregar o bacamarte joia a um videoarte que construa a ideia que os heróis e os bandidos podem ser a face da oposição muito relativa ao ponto de vista de quem é o favorecido final. Aliás, o herói de um pode ser o bandido de outro. Lampião também foi herói para seus comparsas e para as pessoas que beneficiou.
Aspectos de nível de estímulo e de atenção e natureza
O estímulo é visual pelo bacamarte confeccionado, a forma geométrica e brilho do material possuem o efeito desejado de atrair curiosidade. Tátil será a possibilidade do toque de algo concreto como o bacamarte. O videoarte estimulará a visão e o sentido da audição por ter elementos sonoros condizentes com narrativa de dualidade unificada a ser apresentada.
Aspectos materiais de desenvolvimento
O material de confecção do bacamarte joia é de pedras lapidadas, cristais, madrepérolas. As pedras poderão ser variadas de acordo com a possibilidade de encontrar as soluções. Um pequeno teste foi realizado com pedras de jade coloridas em lapidação facetada de 12 mm, entretanto, percebeu-se que por serem pedras naturais, o tamanho dos furos varia e que será necessário um material fino e forte como fio de aço para a sustentação das mesmas. O corpo será em aço firme para possibilitar a sustentação do peso das pedras. O videoarte utilizará câmaras para a filmagem dos grupos de bacamarte e correlação com bandidos e heróis conhecidos.
A companhia aérea TAP será consultada, assim como o Aeroporto Internacional de Recife sobre a escultura. A Polícia Federal do Brasil também será consultada sobre a passagem no raio X. Afinal, policiais podem confundir a obra com algum objeto perigoso. A escultura não poderá ser despachada porque será peça única e também para evitar extravio de bagagem.
Efeitos esperados
O efeito esperado é a reflexão sobre o aspecto do inconsciente coletivo, o bem e o mal configurados nos arquétipos do herói e do fora-da-lei. Tais imagens primordiais serão transpassadas no videoarte e serão construídas na escultura de bacamarte joia.
Bibliografia:
Jung, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. (1998). Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada.
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